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segunda-feira, 12 de março de 2012

CALA A BOCA E ME ESCREVA

      Escrever neste momento me parece melhor. Tenho medo das palavras, essas perversas letras que vão juntando-se e revelando demais os pensamentos saídos da boca. Geralmente, na minha intensidade de ser, eu deixo sair tudo aquilo que não cabe mais dentro de mim. É assim que nós cagamos, e assim saem as palavras da minha boca, cagadas.
      Como eu gosto do silêncio. Sou capaz de ficar horas, talvez dias, sem emitir uma única palavra. Isso seria muito bom se pudesse acontecer, mas somos sempre obrigados a falar. Prefiro usar a boca para comer, para cantar, para beijar. Não consigo entender as pessoas que falam sem parar, não devem nem saber o que saem pelas suas bocas, tantas besteiras, tanta conversa sem sentido e sem porquê.
      Escrever é mais sabido, é mais pausado, pode ser apagado, revisado. Escrever requer o uso mais consciente das palavras, exercita o pensamento e a boa linguagem. Ao escrever posso ser mais verdadeira, posso registrar e prolongar o que dito se perderia ao vento.
      Por isso lhe escrevo. Pois a boca já não suporta o peso do que penso, pois assim não sou tomada pelo calor das emoções, pois não tenho seus olhos ouvintes para mergulhar e me perder nas palavras. A escrita é fria como eu  gostaria de ser.
      Escrevo para lhe dizer que sinto muito, de forma tão extrema que não consigo entender, não tenho controle. Sinto muito por ser assim, pedra e fogo, peso e escuridão. Sinto por ter-lhe magoado com minha brutal falta de paciência e de ciência do que posso vir a fazer. Mas é assim. Não se volta atrás do que se faz, apenas se pode refazer a história, repensá-la, perdoá-la.
      Quando existe amor, existe a possibilidade da mudança, pois o desejo de não magoar a pessoa amada convive ao lado do egoísmo e do egocentrismo. Isso balança alguma coisa dentro, mexe com as estruturas e arranha as verdades construídas. O desejo de con-viver, de misturar os odores, os anseios, o desejo da pele, da penetração, o desejo de ser desejada, de ser admirada, de desejar e admirar.
      Tenho medo de te perder nesses momentos de contradição. Tenho-te tão profundamente e ao mesmo tempo deixo-lhe tão livre que sinto que podes voar. Aprendi a amar assim, em liberdade, sem exigir mudanças, sem o peso de cobranças banais. Mas sempre tem um momento em que pesam as asas e que amor esmorece. São momentos passageiros como a vida e como o tempo, súbitos como a morte.
      Minha única certeza é de que tenho-te dentro de mim e lhe respeito inteiramente neste espaço interior, compreendo suas diferenças e crenças e vejo tanta beleza que chego a não acreditar no tanto que a vida veio me presentear.  Eu tenho por você um amor que desconheço igual, que nunca mais existirá.
      Para mim isso basta. Não me importa o que você faz ou não faz, enquanto me respeitar e me tratar com o amor e carinho que lhe são costumeiros, eu também vou lhe amar. Se um dia algum desses ingredientes faltar, tempero com fé pois essa nunca há de me abandonar.
      Não vai conseguir ouvir de mim essas palavras, senão lidas, mas nunca faladas sem roteiro. Não sou muito boa em retórica e sempre que lhe escrever, pode crer que é o momento em que mais preciso que me escute. Meu silêncio vale mais que 1000 palavras.
      Te amo.

quarta-feira, 7 de março de 2012

ELA

Começou a trabalhar cedo, não ganhava nem um salário mínimo. O pai aposentou por invalidez, a família começou a passar apertado. Mesmo assim juntou durante dezenove anos o dinheirinho para comprar um carro usado. Mesmo assim o pai completou o dinheiro que faltava. Fez três faculdades, não aguentava mais andar a pé, ou pagava a passagem de ônibus, ou juntava outro dinheirinho para a mensalidade. É preta, mas não solicitou vaga na cota para o vestibular. Diz que já ouviu muito "Só está fazendo faculdade por causa da cota". Não é porque tem a pele negra que vai ter menos capacidade para as coisas. "Só não consegue quem não quer", diz. Ainda não tem o carro novo, continua juntando o dinheiro, mas sente-se vitoriosa! Não tem vergonha nenhuma em dizer que usou muita roupa dos outros. A conhecida da mãe tinha um filho que regulava a idade e usava as roupas dele, sapato, calça, ela e as irmãs. Não foi por isso que deixou de ser ela. Ninguém morre por causa disso, a família toda fez faculdade, menos um irmão porque não quis. Sua primeira casa foi uma garagem, que arrumou e viveu como uma princesa. Era pequena, só um cômodo, mas ali cabia seus sonhos, seus sentimentos, sua vida. Teve que mudar pois não cabiam as coisas!

Ouvi hoje esta história contada por uma mulher negra, por volta dos seus cinquenta anos, que hoje é Secretária Municipal em uma Prefeitura de um município do interior do Estado do Rio de Janeiro. Sua trajetória de superação, força, alegria, determinação e vontade de viver me emocionou muito e me levou a pensar nos meus próprios desafios, nas minhas limitações e em tudo que eu ainda quero conquistar.

Por isso, dedico o dia de hoje, 08 de março, Dia Internacional da Mulher, a esta mulher simples, bela e guerreira, e espero vê-la em breve no seu carro novo!


Parabéns a todas as mulheres do mundo.