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domingo, 13 de setembro de 2009

ATRÁS DO ESPELHO

Estou cativa de um novo ser
Cativa de manhãs serenas
e de um longo anoitecer
no colo da lua

É como se estivesse nua
Totalmente pelada no meio da rua
Confortável e sozinha
Invisível, intocável, pura

Estou cativa de um novo corpo
Não quero mais me parecer
Sou outra, afinal
Não mais àquela velha

Vejo-me escondida atrás do espelho
Inverso reverso côncavo e convecsso
Em estado de florescer primaveril
Desabrochando para a vida

Tardiamente e sabiamente
Pois nunca é tarde demais
Pra pra ser outra que não eu mesma
Em nova face que é a mesma daquela velha

Tarde não. É manhã serena
Tenho um dia inteiro pra ser flor
E um anoitecer eterno...
... Pra ser amor.

Kátia Quirino

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

BIOGRAFIA


Ela tem um frescor de manhã
que cheira tangerina
Tem um calor, mas um calor...
que corre pelo ventre
E uma alma serena
Muitos sorrisos simpáticos
Ela tem um passo, um ritmo
Umas pernas...
Ela tem sonhos e quer voar
ela tem cabelos ao vento
Um jeito lento
Um balanço nas ancas
Ela tem um olhar grande
Um cheiro de pessoa
Certa mania de querer dar-se
Ela tem amor pela vida
Sua pele - clara
Sua carne - dura
Sua boca - poesia pura
Suas mãos - pintura
Ela gosta de cores
Ela é mulher bicho
À flor dos cinco sentidos
À luz do sol ou de velas
Ela muda com a lua
Tem a alma nua e crua

Kátia Quirino

QUERO ASSIM

Quero uma alma sim
(Pois há quem diga não tê-la)
Aspirina efervescente
Sensação de algodão doce na boca
Calor e aconchego de lareira acesa

Quero um amor sim e assim
Grandioso Desfiladeiro
Para que eu possa dele saltar
Com emoção de primeiro vôo
E o gosto da liberdade
Quero a vida assim, sim
Nascimento de Vênus, de Botticelli
Com inocente alegria de criança
E a sabedoria da velhice

Kátia Quirino

VENHA COMIGO

Meus olhos têm a claridade da espuma marinha
Têm a transparência de quem diz tudo e nada
Meu espaço se estende sem amparo e com ternura
Ele é infinito como o universo
Ouço um cântico de lamento e celebração
Um canto maldito de uma boca censurada
Meu silêncio é transgressor
E o grito é de vitória e gozo!
Meu ser é recôndito, tanto que sou parte do inverno
Contudo sinto um frio que queima por dentro
Apenas o sol me mantém cálida
Tanto que sou outra parte do verão
A solidão é um delírio moderno?
(Ela tem o som de ondas batendo nas rochas...)
Quantos são os segredos da alma?
Quão grandes são os desafios da vida...
Perdão por essa sucessão de luz e silêncio estridente
Por esta solidão insana, pelo canto submerso em lama
Perdoe-me pela palavra muda, pelo frio sombrio
Essa mudança brusca do tempo
É engano tentar entender o que é este movimento
Dentro e através da escuridão
Apenas vejo uma luz dourada e sinto calma
Não sei, e mesmo assim vou
Viajei muito pra chegar até aqui e parar

Kátia Quirino

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

CECÍLIA MEIRELES



SERENATA

"... Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora, e cantando pus-me a esperar-te.
Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silêncio, e a dor é de origem divina.
Permite que eu volte o meu rosto para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo ... "




OU ISTO OU AQUILO

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

CIDADE




Pela janela consigo ver
A cara agitada do asfalto
Pessoas apressadas
Prédios onde antes tinham asas
Algo calmo seduz a paisagem
Com fluidez de água
Depois das janelas fechadas
Aceito o concreto
O corpo edificado
E mergulho n'água
Para que a pedra
Transforme-se em asas