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terça-feira, 20 de abril de 2010

NASCER É UM PARTO

Todo mundo nasce. Essa é a primeira similitude que une os seres humanos no mesmo ato inicial da vida. Mas quanto as diversas formas de nascer, aí cada um tem sua história. Parecidas ou não, felizes ou tristes.
Cuspido, empurrado, puxado, morto. Nascer é natural, mas é um ato estranho. Eu não me lembro do meu nascimento, mas deve ter me dado um medo danado... você lá, todo protegidinho dentro do seu mundinho barriga escurinho, e, de repente, você cai na mão de um ser gigante com uma máscara na cara, que te pega pelas pernas e te dá umas palmadinhas. Então você começa a ver luzes, ouvir vozes altas, sentir frio. Cortam-te pelo umbigo, te levam para longe daquela barriga e... acabou aquele mundinho tranqüilo.
Nascer é um parto...
Eu queria ter nascido de parto natural. Quem não quer sair do mundinho barriga escorregando! Nada mais divertido! Mando a contração, estouro a bolsa de placenta, e lá vou eu!
Mas, segundo relatos maternos, eu nasci de cesárea, praticamente enforcada pelo próprio cordão umbilical. Para piorar a situação, morei no mundinho barriga uma semana a mais, e a Doutora lá da Maternidade Santa Tereza me arrancou as pressas. Ela disse que eu era um bebê pós maturo, ainda bem que meu pai me deu outro nome.
Nasci enrolada no meu belo colar umbilical, mas tamanha vaidade me valeu uma cara toda roxa, inchada e deformada, a pele seca e descamada.
Minha tia até falou, sem muita convicção:
_ Que neném lindo!
Minha mãe foi bem sincera:
_ Será que a minha filha vai ser feia desse jeito, coitadinha...
Naquela época ainda não existia câmera digital, então não foram feitos registros fotográficos dessa minha desgraça primeira. Viva os anos 70!
Minha segunda desgraça foi no mesmo dia, ainda bem que não me lembro desse 5 de agosto, ô diazinho... Depois deste susto, me tiraram dos seios maternos direto para uma caixa aterrorizante. Toda transparente, fechada, quentinha, com uma luz chata nos meus olhinhos ainda cerrados.
Era uma incubadora.
“A incubadora é um equipamento eletromédico cuja finalidade é manter a vida de bebês prematuros ou pós maturos. Proporciona ao neonato um ambiente termicamente neutro – através do controle da temperatura e da umidade relativa do ar em níveis aceitáveis.

O clima criado no interior acarreta um rápido desenvolvimento do bebê com menor risco de contrair doenças. O uso das incubadoras nos berçários permite ao recém nascido de alto risco proteção térmica, isolamento e uma completa observação visual propiciando-lhe condições de termorregulação e atendimento às suas necessidades de calor.”
Chique, não é mesmo! Mas mecônio não é chique não, e provavelmente eu aspirei o meu...
Bem, com ou sem mecônio nos pulmões, lá fiquei, cheia de esparadrapo, dias e dias, doida pra voltar ao meu mundinho barriga, ou pelo menos para meu novo mundinho mamãe.
Realmente é de uma solidão extrema esta espera pelo ser amado, por aquela que te alimenta e te dá vida. Uma relação materna assim tão distante deve pirar a cuca de um bebê.
Eureca! Taí a origem de toda minha paranóia. Minha melhor amiga também ficou na incubadora, não é extraordinário! Temos uma ligação fetal, que nos une diante desta experiência trauma. Por isso ela é tão insegura, e eu tão carente.
Nascer é uma aventura! Depois disso tudo, podem me mandar pra qualquer outro mundo que eu encaro com a maior experiência!
Eu sei que vou nascer de novo, e sei que não vou poder escolher como, onde, nem quando. Na hora da morte, estarei aqui no meu mundinho vida, esperando outra incubadora neomortal. Talvez eu me enrole no meu belo colar de sementes, mas quem sabe tudo seja diferente.
Afinal, a esperança é sempre a última que morre, e assim parto, como quem nasceu de parto.


Kátia Quirino
Crônicas Poéticas e Hipotéticas

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