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sábado, 8 de fevereiro de 2014

A MUDANÇA DE JAGGER

_ O amor não foi suficiente.

Ele me disse esta frase depois que perguntei o real motivo dele ir embora e deixar para trás todos os nossos sonhos de uma vida juntos. Ao ouvi-la, eu senti um frio dentro de mim. Não disse mais nada. Ele pegou o gato, eu dei-lhe a sacola de ração e entrei no banheiro, fiquei esperando ele ir embora. Quando ouvi o carro dar a partida eu fui fechar o portão. 


O meu vizinho, uma criança de seis anos, perguntou:


_ Kátia, onde o Jagger foi?


Jagger é o gato. Eu segurei o choro na garganta e respondi:


_ Dudu, o Jagger agora foi morar em outra casa, junto com o dono dele.


Cristina, mãe da criança, e outras vizinhas que estavam na rua naquele momento, perceberam o embaraço da situação. 


 _ Dudu, vem aqui, chamou a mãe. Acho que eu estava sorrindo para ele, então dei tchau e entrei rápido para dentro de casa. 


Ali mesmo na sala eu parei. Olhei ao redor, tudo parecia vazio. Conseguia ouvir o eco daquelas palavras no vazio da casa: o amor não foi suficiente... o amor não foi suficiente...


O ódio cresceu e veio até minha pele, que pegava fogo. Eu tive vontade de matá-lo a punhaladas. Até uma semana atrás, tudo estava bem entre nós, não tinha qualquer indício de que o amor era insuficiente ao ponto de rompermos nossa relação. Em mim o amor ainda rugia acordado e raivoso. Me senti uma completa idiota. Como eu pude me enganar tanto?


Eu não merecia aquilo. Fui uma mulher fiel, companheira e boa amante. Uma revolta me invadiu sem pedir licença, sem ao menos eu conseguir ponderar. Senti meus batimentos cardíacos acelerarem, comecei a suar frio, minha pressão caiu, parecia que eu ia desmaiar. Me sentei no chão do quintal com uma pitada de sal na boca. E agora, o que eu faço? Não sabia o que fazer, como seguir adiante, estava totalmente perdida. Pensamentos negativos invadiram minha cabeça, enquanto eu permanecia ali, ruminando e destilando meu descontentamento. 


Devido a minha coluna operada, ainda não podia fazer várias coisas. Sete meses se passaram desde a minha cirurgia e eu ainda não me sentia bem. Ainda dependia da ajuda das pessoas. Tive medo de não conseguir viver sozinha, tinha desaprendido a solidão. Ele praticamente foi morar em minha casa para cuidar de mim. Dirigia o meu carro, me levava e me buscava na fisioterapia, cuidava dos gatos, pegava tudo que era pesado e tudo que eu pedia quando eu estava de repouso, esquentava a bolsa térmica e colocava nas minhas costas, dormia ao meu lado todas as noites, quando eu mais sentia dores lombares, enfim, foi um verdadeiro amigo e companheiro. 


Perdi a vontade de comer, perdi o sono. Não aceitava a decisão dele, achava injusta. Mas deixei deste jeito. Como ficar com alguém que deixou de me amar? Como ficar suplicando seus carinhos, sua atenção? Meu orgulho não permite tal disparate. Então abri os caminhos, deixei-o livre como passarinho. Sumi da sua vida. Desconectei nossos laços totalmente. De uma hora para outra, passamos a ser estranhos. Tão estranhos que eu realmente mudei para que ele não mais me reconheça. 


Esta nova pessoa ainda ama. Mas sabe que este não é o amor de sua vida. Onde o amor não é suficiente, não há amor de verdade. Não existe amor insuficiente: ou se ama, ou não se ama. Esta nova pessoa ainda ama, mas ama mais a si do que ao outro. Esta nova pessoa descobriu que pode sim estar sozinha, mesmo com todas as limitações impostas pela vida. 


E Ganesha, a gata que ficou comigo, passou um mês sem fome e sem vontade de brincar, como eu. Mesmo sendo ameaçada constantemente por Jagger, que era o gato alfa,  ela sentiu extremamente sua falta. Mas hoje Ganesha reina absoluta em nossa casa, não precisa mais disputar o seu espaço com nenhum outro felino. Vamos muito bem, obrigada.




"Nosso amor que eu não esqueço
E que teve o seu começo
Numa festa de São João
Morre hoje sem foguete
Sem retrato e sem bilhete
Sem luar, sem violão
Perto de você me calo
Tudo penso e nada falo
Tenho medo de chorar
Nunca mais quero o seu beijo
Mas meu último desejo
Você não pode negar
Se alguma pessoa amiga
Pedir que você lhe diga
Se você me quer ou não
Diga que você me adora
Que você lamenta e chora
A nossa separação"
Às pessoas que eu detesto
Diga sempre que eu não presto
Que meu lar é o botequim
Que eu arruinei sua vida
Que eu não mereço a comida
Que você pagou pra mim"
(Último Desejo - Noel Rosa)

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