É única a experiencia de ler Clarice Lispector, em especial seu livro "Água Viva". O livro, um "romance sem romance", onde a protagonista da história busca obssessivamente entender a solidão e o significado de sua existência, tem uma profundade de sentimentos que queimam como água viva. O mundo interior e exterior se confundem a tal ponto que ela cria um "mundo entre mundos", um lugar encantando e em constante mudança e contradição. O livro é poesia em prosa.
É incrível como Clarice consegue entrar no íntimo feminino e revelar este universo tão pessoal e tão universal. Senti-me contemplada e ao mesmo tempo incompleta, como se aquelas palavras também estivessem saindo de dentro de mim.
Resultado desta interação tão íntima foi o vídeo "Para te escrever eu antes me perfumo toda", ainda em construção. Ao surgir a idéia, logo pensei nas pessoas que poderiam fazer este trabalho, e convidei Laurens (videomaker) e Fátima Porto. Como se fosse induzida, escrevi o roteiro e selecionei os fragmentos do livro que servem de leitura para as cenas. Juntei uma parte aqui, outra ali, agrupei em temas e tudo isso resultou em cinco cenas que desenrolam-se consecutivamente no vídeo, que deve durar de cinco a sete minutos. A música foi escolhida entre tantas da obra de Chopin, mas caiu perfeitamente no clima intimista e lírico do vídeo. Tudo perfeito!
Confesso que nunca tinha feito isto antes na vida. E confesso que tive muita ansiedade e muita auto crítica, sentimentos que atrapalham o processo criativo, pois comecei a achar tudo ridículo e constrangedor. Por isso Fátima Porto... ela foi minha guia neste difícil processo de auto conhecimento e externalização de sentimentos e emoções que um ator necessariamente precisa saber fazer. "Não sou atriz, sou assistente social" (eu pensava), "o que os outros vão achar?", "eu sou um patinho feio querendo aparecer", enfim... A fase da censura, de viver o lado perverso da cultura de massa.
Mas Fátima e Laurens estavam ali, e com este apoio consegui chegar ao final da gravação. Achei por um instante que durou uma eternidade que não chegaria. Eu sabia que poderia ter feito tudo aquilo, e poderia ter feito até melhor, mas fiz o até melhor. E quando terminei estava toda suja de tinta como um bichinho louco e achei aquilo maravilhoso, poder sair do lugar comum e fazer coisas que não faria normalmente, como flertar com uma árvore e me jogar nas folhas secas.
Escrevo tudo isso para falar sobre coisas nada simples que Clarice fala no livro. Acredito que esta tenha sido a leitura mais viva que já fiz até hoje. Ler ser viver a palavra. Laissez passer. "A palavra é minha quarta dimensão", escreveu Clarice Lispector.
O que posso deixar de bom para quem me leu até aqui é a confirmação de que a vida é um mistério, mas nós podemos explorá-la em suas sem número possibilidades. Podemos ser outras vidas e outros tempos, podemos ser felizes ou tristes, podemos ser rasos ou profundos. Mas para poder escolher, precisamos de uma única coisa: auto conhecimento.
"Olha pra ti e te ama" (Clarice Lispector)
Obrigado Deus por mais uma prova da Sua existência!
Lindo texto, tão sincero, tão honesto! Se eu pudesse eu iria ao sarau... Mas estou morando em Seropédica (cursando Belas Artes!!!), só venho aos finais de semana =( Que tudo dê certo e seja um sucesso!
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