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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

DIÁLOGO MATINAL ENTRE A POESIA E O POETA

- Me traz um café e um toque.
- Primeiro o toque. Agora o café. Ainda quero ouvir aquele seu CD de rock.
- !!!!!!
- Indo ao trabalho?
- Estou nua sob o lençol de algodão. Apenas o contato da pele com o pano já me causa um frisson. Trabalho só amanhã.
- Vai ler o meu livro?
- Sim. No caminho.
- No meio do caminho um L. Na porta da casa o patuá. No centro da cama o sofá. No desvario do caminho o mar. Sobre o sofá uma outra letra L. Ei onde foi?
- Fui comer um pão. Estava faminta de você.
- Mastigou-me direitinho?
- Quando tenho fome engulo!
- Corpo devorado. Alma insaciável.
- Sobra a sede que transborda do olhar. Queria somente um pouco de mar.
- Onde estou não há o mar. Há olhar. O que me transborda é o afeto que há. Vou precisar sair também.
- Você é abissal. Acho melhor ficarmos juntos mais um pouco.
- Você está abraçada a sonhos. Coma-os também.
- Vou trepar com eles. Quero o orgasmo onírico.
- Farei fotos da sua trepada. Farei posteres surreais.
- Serei o objeto que te fará ereto.
- Objeto direto!
- Sujeito determinado.

(SILÊNCIO)

- Tudo bem com você?
- O verso está com preguiça de sair.
- Tira o bicho de perto dele.
- Acho que o engoli.
- Rima endoscópica.
- Vou regurgitar.
- Fúria e som!
- Bravo e sem versão. Posso acariciá-lo. Fazer um dengo. Pedir baixinho para ele gritar em mim. Quem sabe deixar ele quieto remoendo as suas estrofes.
- Faça o que quiser. Afinal a poesia é você. Ele é apenas um poema que sente fome.
- Só quero cantarolar um blues e gritar um rock. Matar a fome do poeta. Se sou a poesia és o repertório.
- Fique nua da sua roupa. Melhor ou pior te visto com o meu corpo temporário.
- Pensas me encontrar em alguma caminhada noturna? Talvez eu esteja lá mesmo te cobrindo com o véu do meu sabor.
- Quanto há de real neste seu corpo e alma de esquina?
- O que sinto é um traço indefinido. Mas se procuras uma resposta direta estou com tesão. Um prazer de alma que saiu do corpo. Esquina sim. Tudo bem?
- Eu, poeta, traço rabiscos na sua coxa. Decifro o mar no caminho do estar à frente da sua tesão. Rumo para a sua alma. Daí em diante serei seu leitor além de seu amante.
- Eu, poesia, rasgo as suas roupas. Desvendo a sua pele. Deixo marcas do meu lábio na sua palavra não-escrita.

(UMA MÚSICA SUAVE E INTERPLANETÁRIA SE FAZ OUVIR)

- Ficou bonito o poema. O fim de tudo na distância do nada.
- Um diálogo, uma poesia só nossa. Início do nada e na distância do tudo.

(A MÚSICA SUAVE NUM CRESCENDO DÁ LUGAR A UM ROCK PAULEIRA)

Texto: Rogério Ramos Pimentel e Kátia Kirino


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