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domingo, 27 de abril de 2014

MANOEL DE BARROS

http://www.elfikurten.com.br/2011/02/manoel-de-barros-natureza-e-sua-fonte.html

Este link é do Blog Tempo Cultural  Delfos e tem a maior pesquisa on line sobre o escritor que eu encontrei aqui na internet. A sua trajetória e biografia estão lá. Vou registrar aqui apenas algumas poesias simplesmente maravilhosas. Degustem.



Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não uso das palavras
Fatigadas de informar.
Dou mais respeito
Às que vivem de barriga no chão
Tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou importância às coisas desimportantes
E aos seres desimportantes
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais do que as dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios
Amo os restos
Como boas moscas.
Queria que minha voz tivesse formato de canto
Porque não sou da informática
Eu sou da invencionática.
Só uso minhas palavras para compor meus silêncios.
- Manoel de Barros, do livro "Memórias inventadas – As Infâncias", São Paulo: Planeta do Brasil, 2010. p. 47.



O poeta

Vão dizer que não existo propriamente dito
Que sou um ente de sílabas.
Vão dizer que eu tenho vocação para ninguém.
Meu pai costumava me alertar:
Quem acha bonito e pode passar a vida a ouvir o som
das palavras
Ou é ninguém ou é zoró.
Eu teria treze anos.
De tarde fui olhar a Cordilheira dos Andes que
se perdia nos longes da Bolívia
E veio uma iluminura em mim.
Foi a primeira iluminura.
Daí botei meu primeiro verso:
Aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem.
Mostrei a obra pra minha mãe.
A mãe falou:
Agora você vai ter que assumir suas irresponsabilidades.
Eu assumi: entrei no mundo das imagens.
- Manoel de Barros, em "Ensaios fotográficos", Rio de Janeiro: Record, 2000.


Tempo
"Eu não amava que botassem data na minha existência. A gente usava mais era encher o tempo. Nossa data maior era o quando. O quando mandava em nós. A gente era o que quisesse ser só usando esse advérbio. Assim, por exemplo: tem hora que eu sou quando uma árvore e podia apreciar melhor os passarinhos. Ou: tem hora que eu sou quando uma pedra. E sendo uma pedra eu posso conviver com os lagartos e os musgos. Assim: tem hora eu sou quando um rio. E as garças me beijam e me abençoam. Essa era uma teoria que a gente inventava nas tardes. Hoje eu estou quando infante. Eu resolvi voltar quando infante por um gosto de voltar. Como quem aprecia de ir às origens de uma coisa ou de um ser. Então agora eu estou quando infante. Agora nossos irmãos, nosso pai, nossa mãe e todos moramos no rancho de palha perto de uma aguada. O rancho não tinha frente nem fundo. O mato chegava perto, quase roçava nas palhas. A mãe cozinhava, lavava e costurava para nós."
 (...)
- Manoel de Barros, em "Memórias inventadas: a segunda infância".



A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.
- Manoel de Barros, em "Retrato do Artista Quando Coisa", Editora Record, 1998.


 "O Tempo só anda de ida.
A gente nasce, cresce, envelhece e morre.
Pra não morrer
É só amarrar o Tempo no Poste.
Eis a ciência da poesia:
Amarrar o Tempo no Poste!"
- Manoel de Barros, em entrevista a Bosco Martins, 2007.
 
 
 VII - No descomeço era o verbo
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá, onde a criança diz:
eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
Funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta,
que é a voz
De fazer nascimentos -
O verbo tem que pegar delírio.
- Manoel de Barros, no poema "Uma didática da invenção - 'VII'",  do "O livro das ignorãças". 2ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1994, p. 17.
 
 
“Para entender nós temos dois caminhos:
[o da sensibilidade que é o entendimento
do corpo;
e o da inteligência que é o entendimento
do espírito.
Eu escrevo com o corpo.
Poesia não é para compreender,
[mas para incorporar.
Entender é parede; procure ser árvore.”
- Manoel de Barros, do livro "Gramática expositiva do chão: poesia quase toda". Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990, p. 212.
 
 
 

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